NOTA PÚBLICA
Diante dos impactos da pandemia de COVID-19 sobre a população brasileira, bem como das diversas medidas adotadas nas últimas semanas a fim de ampliar e reorganizar a força de trabalho dos profissionais da saúde para responder à crise, a Associação Nacional dos Médicos Residentes (ANMR) em conjunto com as Associações Estaduais Representativas de Médicos Residentes vem a público expressar seu posicionamento.
Nosso país vive um quadro sem precedentes em termos de saúde pública, e neste desafio somos todos atingidos, população e profissionais da saúde, em maior ou menor grau, por medo, dúvidas e angústias. Ao mesmo tempo em que existe muita apreensão, existe também profundo anseio e responsabilidade por parte dos profissionais de saúde, por trabalhar e garantir à sociedade o atendimento de qualidade que ela merece.
Dentro desse contexto, os médicos residentes representam hoje uma força de trabalho de mais de 40 mil profissionais distribuídos pelo país, com imenso potencial e interesse em contribuir com essa missão. A ANMR compartilha desse desejo e entende que a atuação dos médicos residentes diante da pandemia deve se dar de maneira organizada e, acima de tudo, segura, garantido dessa forma a saúde dos profissionais.
É importante que se compreenda que estamos enfrentando uma situação de absoluta exceção, e que a maioria dos médicos atuará, ao longo dos próximos meses, em cenários diferentes daqueles normalmente ocupados. Logo, não é possível estabelecer uma diretriz única acerca do papel a ser desempenhado pelos residentes em todos os serviços, uma vez que cada instituição está se organizando para responder à crise de acordo com o lugar que ocupa na rede. Ao passo que existem serviços que atenderão quase exclusivamente casos de COVID-19, outros atuarão como retaguarda, recebendo casos escoados dos serviços de referência.
Sendo assim, a orientação da ANMR é de que os residentes acompanhem a reorganização de seus respectivos serviços e atuem nos cenários onde sua ajuda for melhor aproveitada. Ressaltamos que tal reorganização deverá se dar de forma absolutamente transparente e contar com a participação dos médicos residentes junto às instâncias que deliberem acerca da sua atuação.
É importante frisar que as disposições legais sobre carga horária máxima semanal, limite de horas de plantão por semana, descanso pós plantão e folga semanal permanecem vigentes e deverão ser respeitadas. Deverão também ser garantidos a todos os residentes os EPIs adequados, bem como treinamento acerca do seu uso e do manejo dos pacientes suspeitos e confirmados para COVID-19. O não fornecimento dos EPIs adequados deverá ser denunciado ao Conselho Federal de Medicina e à Associação Médica Brasileira.
Nesse contexto, ao longo das últimas semanas, uma série de normativas vêm sendo publicadas pelo Governo Federal, a fim de ampliar e qualificar a oferta de profissionais da saúde que deverão atuar no combate à COVID-19, com impacto maior ou menor sobre a residência médica. A ANMR apresenta a seguir suas considerações acerca delas:
- Portaria GM/MS nº 580: a ANMR entende como adequada a concessão da bonificação no valor de 20% da bolsa aos médicos residentes, haja vista ser esse o valor defendido pela instituição para o reajuste a ser garantido mesmo após o período de pandemia. Está claro, porém, que a operacionalização do pagamento da bonificação, que está descrita claramente na portaria, está sendo alvo de muitas dúvidas e distorções. A ANMR esclarece que a bonificação será paga a todos os médicos residentes ativos, e não apenas aos que estiverem atendendo casos suspeitos ou confirmados de COVID-19. Responsabilizar as COREMEs por informar os dados dos residentes contemplados, além de estar em desacordo com o texto da portaria (que é claro ao afirmar que essa responsabilidade é das fontes financiadoras dos programas), abre margem para que as instituições condicionem a inserção de seus residentes na lista de contemplados a outras condições além das estipuladas pela portaria, atitude que deverá ser prontamente denunciada pelos residentes à ANMR e ao Ministério da Saúde. Solicitamos ao Ministério da Saúde que reveja esse ponto e considere aplicar o que está efetivamente disposto no texto publicado. Há também a necessidade de esclarecimento acerca da incidência ou não de INSS e Imposto de Renda sobre a bonificação.
- Edital nº 4/2020 da Secretaria de Gestão do Trabalho e da Educação na Saúde do Ministério da Saúde: a ANMR entende como positiva a inserção de alunos dos últimos anos dos cursos de graduação da área da saúde no enfrentamento à pandemia, desde que garantida a sua segurança e condições para que sua atuação se reverta também em aprendizado. A concessão de bolsa a tais alunos configura contrapartida justa (ainda que seu valor possa ser objeto de questionamento), porém a ANMR sugere que seja revista a pontuação adicional de 10% nos processos seletivos para residência médica a tais alunos, haja vista que isso os colocará em situação de vantagem sobre profissionais já formados que estejam participando do processo, mesmo que esses estejam também atuando no combate à COVID-19.
- Portaria GM/MS nº 639: apesar de considerar salutar a manutenção de um cadastro nacional de todos os profissionais de saúde em atividade, a ANMR entende que ainda não está claro qual uso será feito das informações coletadas pelo Ministério da Saúde. As aparentes contradições entre o texto da portaria e as declarações do próprio Ministério acerca dela dificultam a análise dos reais impactos da normativa, motivo pelo qual a ANMR aguarda maiores esclarecimentos por parte do Ministério da Saúde, bem como posicionamento do Conselho Federal de Medicina antes de se debruçar sobre o tema.
- Atraso no pagamento das bolsas do Ministério da Saúde aos R1: a ANMR está sendo acionada por médicos residentes do primeiro ano dos programas financiados pelo Ministério da Saúde em todo o país, com a queixa de que as bolsas que deveriam ter sido pagas no dia 1º de abril ainda não foram depositadas. Segundo as informações levantadas até o momento, o processamento dos pagamentos está atrasado em virtude do quadro de pandemia e todos os médicos residentes com bolsas pagas pelo Ministério da Saúde estão recebendo e-mails do endereço proresidenciamedica@saude.gov.br, solicitando confirmação de suas contas bancárias. Entendemos que a crise que se abate sobre o país, embora grave, não configura justificativa adequada para o atraso do pagamento dos médicos residentes. Aguardamos rápido posicionamento oficial do Ministério da Saúde sobre o ocorrido e a tomada de medidas imediatas que garantam o pagamento de todas as bolsas em atraso com máxima urgência.
A ANMR reitera o apoio ao Ministério de Saúde e aos seus direcionamentos no combate à pandemia e reforça seu interesse em participar ativamente das discussões e deliberações acerca das medidas tomadas para o enfrentamento da crise, para expressar a intenção dos médicos residentes em participar do atendimento à população e facilitar a inserção deles como protagonistas do processo de forma segura e organizada. Lamentamos que a instituição não tenha sido convidada ao diálogo para a elaboração de nenhuma das medidas acima elencadas e esperamos que essa postura seja revista. Historicamente somos parceiros ativos da construção e implantação das políticas de saúde e educação no Brasil e acreditamos que apenas trabalhando juntos encontraremos soluções que respondam às necessidades da população e do sistema de saúde, bem como do residentes.
Os médicos residentes exigirão que lhes seja garantido nos fóruns deliberativos o mesmo papel de protagonista que se espera deles na linha de frente do cuidado a população brasileira.
São Paulo, 5 de abril de 2020.
Dr. Euler Nicolau Sauaia Filho
Presidente da Associação Nacional dos Médicos Residentes
AMERESP, ACMR, AMERECE, AMERERS, ABRAMER, APMR E AMERAL
Associações Estaduais Representativas dos Médicos Residentes